segunda-feira, outubro 27, 2025
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Crítica – Seu Cavalcanti (2025)

Seu Cavalcanti” se apresenta como um filme que não busca o espetáculo, mas sim o gesto singelo de escutar e observar. Ao centrar-se na figura de um patriarca nonagenário, o longa constrói um retrato intimista e afetuoso, daqueles que valorizam a força das pequenas coisas — a memória contada ao redor da mesa, o silêncio carregado de lembranças, o olhar cúmplice entre gerações.

A direção do pernambucano Leonardo Lacca adota um ritmo compassado, como se acompanhasse a própria cadência da vida de Seu Cavalcanti. A câmera, muitas vezes próxima, parece respeitar a intimidade dos momentos, sem pressa em arrancar respostas ou provocar situações artificiais. O resultado é um tom quase documental, mas impregnado de poesia, em que cada detalhe cotidiano ganha contornos de rito afetivo.

Foto: Divulgação/cajuinaaudiovisual/trincheirafilmes

O grande mérito do filme é transformar aquilo que poderia soar trivial em matéria de reflexão universal: o envelhecer, o convívio familiar, a passagem do tempo e o legado de um homem para seus filhos e netos. Ao invés de explorar o peso da idade como tragédia, o filme a ilumina como uma conquista — um lugar de sabedoria e também de vulnerabilidade, sem precisar romantizar ou dramatizar em excesso.

A presença de Seu Cavalcanti, com seus 90 e tantos anos, é carismática e magnética. Sua serenidade, combinada com lampejos de humor e ternura, sustenta a narrativa e reforça a sensação de que estamos diante de alguém que não apenas viveu muito, mas que aprendeu a transformar a vida em partilha. A família, ao redor, não é mostrada como coadjuvante, mas como extensão desse personagem central: cada interação traz à tona camadas de afeto, cumplicidade e cuidado.

Foto: Divulgação/cajuinaaudiovisual/trincheirafilmes

Tecnicamente, a obra reforça esse olhar carinhoso através de escolhas discretas: a fotografia, que privilegia tons quentes e luz natural, cria uma atmosfera acolhedora; a trilha sonora, sutil, evita o sentimentalismo fácil, permitindo que as emoções surjam organicamente. O filme, assim, se coloca mais como uma janela aberta do que como uma narrativa fechada, convidando o espectador a se reconhecer em fragmentos daquela vida.

Seu Cavalcanti” é, em última instância, um gesto de resistência contra a pressa do mundo contemporâneo. Um lembrete de que na vida — e no cinema — existe beleza em escutar com paciência, em observar os vínculos familiares e em valorizar quem chegou longe no tempo. É um filme que não apenas se assiste, mas que se acolhe, como quem aceita o convite de sentar-se junto à mesa de uma família e deixar-se atravessar pela delicadeza da experiência humana.

É um filme que parece alcançar plenamente sua proposta: emocionar pelo cotidiano, valorizar a memória e construir um espaço de ternura. A pequena fração que o afasta da nota máxima vem do fato de que esse tipo de obra, pela natureza contemplativa, pode não dialogar com todos os públicos.

Niedja Pantaleão
Niedja Pantaleão
Niedja, 36, é jornalista olindense e fundadora do site, onde atua como editora-chefe. Apaixonada por cinema e séries, dedica-se ao jornalismo cultural há 20 anos.
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