Em “O Deserto de Akin“, o diretor Bernard Lessa estreia no longa-metragem com uma obra de rara delicadeza, que mergulha na subjetividade de um estrangeiro em busca de espaço em um país que, muitas vezes, se recusa a acolher. Ambientado no Brasil contemporâneo, o filme não apenas expõe, mas humaniza os efeitos da exclusão social, do racismo e da política de saúde pública a partir da jornada silenciosa de seu protagonista.
Reynier Morales, em atuação comovente e contida, dá vida a Akin, um médico cubano que chega ao interior brasileiro através de um programa de assistência médica. Logo percebemos que sua presença não é apenas funcional — ela é política. Negro, estrangeiro e solitário, Akin se depara com a indiferença institucional, com a hostilidade velada de quem o vê como intruso, mas também com o calor humano daqueles que o reconhecem como alguém que cuida.
No centro da narrativa, porém, está a relação entre Akin e Jéssica (Ana Flavia Cavalcanti), interpretada com potência e camadas pela atriz. É com ela que o médico experimenta um tipo de pertencimento possível, ainda que frágil, permeado por tensões e desejos. O romance que se desenha entre os dois não foge das contradições sociais que os cercam. Pelo contrário, se alimenta delas. A relação é tanto um abrigo quanto um espelho.
A construção visual do longa é marcada por uma estética terrosa e intimista. A fotografia aposta em luz natural, planos fechados e composições que reforçam o isolamento dos personagens, mesmo quando estão cercados por outros corpos. Bernard Lessa filma o espaço com precisão, transformando casas simples, corredores e consultórios em paisagens emocionais. O deserto do título é tanto geográfico quanto simbólico.

O roteiro aposta nos silêncios e na escuta como elementos centrais da narrativa. As palavras são economizadas, mas os olhares dizem muito. A forma como Akin se comunica com os pacientes, com as crianças, com a própria Jéssica, revela a força de uma escuta atenta — algo tão ausente em sistemas sociais que tratam os corpos como números ou estatísticas.
Também é notável a forma como o filme articula suas questões políticas sem recorrer ao didatismo. A crítica ao desmonte das políticas públicas de saúde, a abordagem sobre a xenofobia e o racismo institucional estão lá, mas sempre encarnadas nas experiências concretas dos personagens. O espectador é convidado a sentir antes de julgar.
“O Deserto de Akin” foi exibido em importantes festivais — entre eles o Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano, o Panorama Internacional Coisa de Cinema e o Festival Internacional de Cine Independiente de La Plata (FICIP). E não é difícil entender o porquê. É um filme que cruza fronteiras geográficas e simbólicas para nos lembrar que o afeto, o cuidado e o desejo são formas de resistência.
“O Deserto de Akin” é uma estreia marcante, que revela Bernard Lessa como um cineasta atento aos detalhes humanos e sociais. Um drama contido e poderoso, que nos convida a olhar para o outro com mais empatia — mesmo quando tudo ao redor se parece com um deserto. O longa entra em cartaz nos cinemas brasileiros em 31 de julho.